Que música é adequada para adoração na perspectiva da filosofia adventista?
Por: Gilberto B. da Silva*
A música é uma expressão. Juan Sebastián Guevara Sanín a define como linguagem divina. A música pode expressar em sons as emoções que, em qualquer idioma, ficam curtas as palavras.1 É um elemento de adoração do céu. Foi instituída por Deus no céu com a finalidade de ser executada por seres criados como um ato de adoração ao Criador. Adorar é a expressão de amor e gratidão por quem é Deus e pelo que fez e faz por nós. Quando Deus criava todas as coisas, a música estava presente: “… quando as estrelas da alva juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38:7).
A música em adoração a Deus esteve presente quando do seu ato salvífico a Seu povo do cativeiro egípcio: “Então cantou Moisés e os filhos de Israel este cântico ao Senhor…” (Êxodo 15:1); e em toda a Bíblia há muitíssimas referencias do canto a Deus: 1 Crônicas 25:6, Neemias 11:22, Jó 21:12… Também nos Salmos o louvor a Deus é mencionado várias vezes: Salmos 33:2, 47:6, 58:5, 98:4-5, 147:7, 149:3… O nascimento do Messias foi recebido com alegres cantos de seres angelicais:
“Então de repente, apareceu junto com o anjo uma multidão da milícia celestial, louvando a Deus, e dizendo: Gloria a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade”. (Lucas 2:13).
A salvação final do povo de Deus sobre o pecado também será marcada por canto de vitória (Apocalipse 14:3; 15:3).
Como adventistas do sétimo dia, cremos e pregamos que Jesus breve virá outra vez. Em nossa proclamação mundial das mensagens dos três anjos de Apocalipse 14:6-12 chamamos a todos os povos a aceitar o evangelho eterno, louvar a Deus o Criador e preparar-se para encontrar com nosso Senhor em seu breve regresso. Desafiamos a todos a escolher o bom e não o mal para que “renunciando à impiedade e aos desejos mundanos, vivamos neste século sóbria, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação gloriosa de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo” (Tito 2:12, 13). Por isso nossa música deve ser peculiar.
A música no contexto do Grande Conflito
A música está inserida no contexto de adoração. Não existe neutralidade moral na música. No universo, duas forças lutam pela supremacia e a questão em pauta é a adoração. Esta realidade é o grande conflito entre e o bem e o mal. Estas duas forças reclamam nossa adoração. Temos que nos posicionar de um ou de outro lado. Não há ponto neutro e a música é um elemento importantíssimo, porque, tem que ver com adoração.
Por isso é de importância vital entender o papel e a influência da música em nossa vida dentro da realidade do grande conflito entre o bem e o mal. Ellen White disse que “Satanás havia dirigido o coro celestial. Havia dado a primeira nota; então todo o exército angelical se unia a ele e gloriosos acordes musicais haviam ressoado através do Céu em honra a Deus e Seu amado Filho.”² Então está claro que ele tinha não só uma posição privilegiada, como também dons especiais, um deles: a de reger o coro celestial.
Como resultado de sua rebelião foi expulso do céu, mas, Deus não lhe tirou todos seus dons e capacidades musicais. Seus intentos de lutar para destruir o governo de Deus e a adoração a Ele não desvaneceram. Falando de sua capacidade musical, Ezequiel 28:13 disse: “…em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros, no dia em que foste criado foram preparados” (Almeida, Revista e Corrigida). Ao mencionar tambores e pífaros, mostra que ele, Lúcifer, tem grande compreensão tanto do lado rítmico como do lado melódico. É um músico nato. Ao longo de toda a humanidade nunca houve alguém que saiba tanto de música como ele na terra.
Agora, suponhamos que uma pessoa é muito boa em matéria de matemática. Será que, essa pessoa vai fazer vestibular de psicologia, línguas ou talvez culinária? Claro que não! Vai fazer matemática. Se Satanás entende muito de música, será que ele vai utilizar a música como estratégia para perverter a adoração? Claro que sim! A música é no mínimo poderosa.³ A pessoa que mais entende de música comparada com o anjo que menos sabe de música, é desafinada.
“Nos últimos dos mil anos, a música tem sido considerada uma força tão potente e influente na sociedade, que os principais políticos e filósofos defenderam seu controle pela Constituição da nação.”4
Um dos principais legados da música dos anos 60 e a revolução que trouxe para a sociedade para os dias de hoje é uma inversão da estrutura rítmica nunca antes utilizada desta forma. O equilíbrio biológico e rítmico de nosso corpo é com ênfase no primeiro tempo e segunda ênfase paralela no terceiro. A música dos anos 60 e todas as músicas que nasceram deste berço fizeram uma inversão desta sequência. 5
O Documento Filosofia Adventista Do Sétimo Dia Da Música apresenta os princípios fundamentais para a eleição da música do cristão: “(1) Toda música que o cristão escute, interprete ou componha, seja sacra ou secular, deve glorificar a Deus (1Cor. 10:31). (2) Toda música que o cristão escute, interprete ou componha, seja sacra o secular deve ser o mais nobre e o melhor. (3) A música deve caracterizar-se por ser de qualidade, equilibrada, apropriada e autêntica. Fomentará nossa sensibilidade espiritual, psicológica e social, e nosso crescimento intelectual. (4) Apelará tanto ao intelecto como às emoções e terá um efeito positivo sobre o corpo. (5) revelará criatividade com melodias de qualidade, artística, com ritmos que a complementem. (6) Letras que estimulem positivamente habilidades intelectuais, emociones e vontade, conteúdo de valores morais; evocam e elevam; e se correspondem com uma teologia bíblica sólida. (7) Os elementos musicais e literários devem influir sobre o pensamento e a conduta em concordância com os valores bíblicos. (8) Deve manter um equilíbrio prudente dos elementos espirituais, intelectuais e emocionais. (9) Reconhecer e aceitar a contribuição de diferentes culturas na adoração a Deus.”6
Um pouco da história da música ocidental
Em todas as culturas a música sempre esteve presente e ligada principalmente com o culto ou ritual religioso. Mas em nosso contexto atual é importante recordar o berço da cultura de nossa música atual que surgiu da miscigenação cultural que ocorreu nos Estados Unidos durante a colonização. 7
Primeiro, por um lado temos o que ocorreu na Europa: o que chamamos de música clássica e que seguiu um rumo melódico (o canto gregoriano) e depois o período do renascimento, o barroco, o clássico e o romântico. Havia alguns mecenas que patrocinavam a música, mas quem controlava basicamente a música era a igreja. Por isso grande parte da música clássica dessa época tem contextos religiosos. Nesta altura o rumo era melódico.
Os europeus saem para os descobrimentos e vai acontecer um fenômeno que está na base de nossa cultura musical. Os europeus vão à África para trazer de lá escravos e encontram uma música que também é espiritual. O feiticeiro era quem dirigia toda a adoração. A música na África é mais rítmica, com tambores, o adorador entra em êxtase e “sente” a música intimamente. Do êxtase ele para um estado de transe como que está hipnotizado; no estado de transe baixam-se os espíritos, há manifestações estranhas, cai no chão, agita-se convulsivamente, espuma, depois o espírito sai e o corpo se desfalece. Assim termina a adoração.
Dali levam seus escravos africanos para o novo mundo onde se encontram os índios que também tem uma música rítmica. Cantam e dançam para chamar os espíritos bons, para afastar os espíritos maus; dançam para a chover, para parar de chover. Agora estas três culturas vão se reunir e ser miscigenadas (ou mescladas, misturadas) no novo mundo; vamos encontrar ali então o rumo melódico europeu com o rumo rítmico africano e dos índios; há uma mistura destas três vertentes musicais. 8
Depois há o fenômeno da guerra norte-sul e a libertação dos escravos. O homem negro agora trabalha não mais por açoitadas, mas por salário e com seu dinheiro pega instrumentos empenhorados e instrumentalizam sua música. Daqui vão nascer duas vertentes musicais. De um lado, temos afro-americanos que apesar de haver sido escravos acreditam em Deus como sua forma de libertação e que querem louvar a Deus e cantam o que nós chamamos de espirituais negros: “Cum bái ya mai Lord, cum bái ya” que é: “Come by here my Lord, my come by here.” “Swing Lord, Swing chariot, Coming for to carry me home” com sotaque. Do outro lado, temos afro-americanos que não vêem a Deus como sua forma de libertação. Seus deuses são aquilo que eles deificam em sua música. Então eles criam o blues que significa em sua essência melancolia, e que também era uma deificação, portanto, das drogas, do êxtase e da depressão. 9
O blues dá origem ao swing e ao jazz.10 Vem de uma expressão um pouco obscena que se referiam ao movimento do corpo (swing = balanço corporal) e a ejaculação (jazz) no ato sexual que tem que ver com o clímax da música. Os nomes destas músicas deificam aquilo que estes afro-americanos que rejeitam a Deus acreditam. É daqui que vai nascer a cultura de nossa música atual. Este é o berço da essência da cultura da música ocidental. Os espirituais negros passam a ser aquilo que era o gospel original, que não tem nada que ver com o que se chama hoje como música gospel. Do outro lado do blues, do swing e do jazz vai nascer o rock and roll como estilo musical. “Rock and roll”, era una expressão utilizada nos guetos de Nova York para referir-se ao sexo livre no assento traseiro de um carro. 11
E o rock, por sua vez, depois da revolução dos anos 60, influencia todos os estilos que, de aí em diante surgem.
Conclusão
Com base na abordagem histórica da origem da música contemporânea ocidental, temos que ser cuidadosos ao escolher uma música para oferecer a Deus. O Manual da Igreja é bem enfático ao afirmar que se deve exercer grande cuidado na escolha da música no lar, nos encontros sociais, nas escolas e igrejas. Toda melodia que partilhe da natureza do jazz, rock ou formas híbridas relacionadas ou toda linguagem que expresse sentimentos tolos ou triviais, serão evitadas. (Ver p. 97, 101, 151).12
E o Espírito de Profecia diz:
“Se empregava a música com um propósito santo, para elevar os pensamentos àquilo que é puro, nobre e enaltecedor, e para despertar na alma a devoção e a gratidão a Deus” (Patriarcas e profetas, p. 644). Jesus “mantinha comunhão com o Céu mediante o canto” 12
Como adventistas, temos uma mensagem específica e relevante para nossos dias que creio são os dias finais da história deste mundo. A mensagem trata-se da verdade presente para este tempo que é a tríplice mensagem de Apocalipse 14:6-12. Nossa música tem que refletir nossa mensagem senão estaremos sendo incongruentes, pregando uma poderosa mensagem profética e ao mesmo tempo utilizando a música de Babilônia, a qual a mensagem denuncia.
REFERÊNCIAS
¹ Sanín Guevara, Juan Sebastián. Teoría De La Música, pág. 1.
² WHITE. História da Redenção, livro 3 Consequências da Rebelião, pág. 25.
³ Pr. Fernando Lopes. Palestra sobre música no Congresso Jovem de 2005 em Juína-MT.
4 BACCHIOCCHI, Samuele. The christian and rock music: a study on biblical principles of music. Michigan: Biblical Perspectves, 2000, 4 p. 21.
5 DALLA, Leandro. Música, reverência e adoração: o propósito de Deus. Vitória: GSA, 2014, p. 136.
6 Documento A Una Filosofía Adventista Del Séptimo Día De La Música. Una Filosofía Adventista Del Séptimo Día De La Música, pág. 2,3. (https://revista.adventista.es/2014/01/una-filosofia-adventista-sobre-la-musica/).
7 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DA CANÇÃO – ISSN 2238-1198, Natal, v.1, n.1, jan-jun 2012. O Blues como uma estrutura fundamental do Jazz: Progressões lineares não-tonais e técnica de redução schenkeriana adaptada ao contexto afro-americano. págs. 129, 130.
8 SILVA, Rafael Palmeira da. Estruturas Fundamentais No Blues: Adaptação De Conceitos Schenkerianos Considerando A Inflexão Melódica Afro-Americana E Seu Desenvolvimento No Jazz. Curitiba, 2012, págs. 25, 26.
9 DALLA, Leandro. Música, reverência e adoração: o propósito de Deus. Vitória: GSA, 2014, p. 33-36.
10 Silva, Rafael Palmeira da. Estruturas Fundamentais No Blues: Adaptação De Conceitos Schenkerianos Considerando A Inflexão Melódica Afro-Americana E Seu Desenvolvimento No Jazz. Curitiba, 2012, págs. 25, 26.
11 DALLA, Leandro. Música, reverência e adoração: o propósito de Deus. Vitória: GSA, 2014, p. 38.
12 MANUAL DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. Trad. Ranieri Sales. 21 ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2011, p. 151.
13 White. El Deseado de Todas las Gentes, p. 54)
A música é uma expressão. Juan Sebastián Guevara Sanín a define como linguagem divina. A música pode expressar em sons as emoções que, em qualquer idioma, ficam curtas as palavras.1 É um elemento de adoração do céu. Foi instituída por Deus no céu com a finalidade de ser executada por seres criados como um ato de adoração ao Criador. Adorar é a expressão de amor e gratidão por quem é Deus e pelo que fez e faz por nós. Quando Deus criava todas as coisas, a música estava presente: “… quando as estrelas da alva juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus?” (Jó 38:7).
*Gilberto B. da Silva - Bacharelando em Teologia pelo SALT (Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia)-IAENE